Estava um dia quente em Macau…
Eu andava bastante irritada e sem paciência, queria ter partido no dia anterior para Portugal, todos acharam que não deveria ir, que não se sabia se valeria a pena, poderia ficar no hospital muito tempo…
Foi um sábado normal, como todos os outros.
Tão normal que só o recordo a partir de um telefonema que recebi quando estava no jardim do Chunambeiro com os filhos.
Era a minha mãe a dizer que o médico a tinha chamado ao hospital. Eu fiquei alerta, ela disse que ela e a senhora do lar onde a minha avó estava achavam que era para propor que ela fosse operada ao tumor que tinha no rim e ela queria a minha opinião pois achava que não se devia operar.
Concordámos que não se devia operar e ela disse que depois me voltava a ligar…
Do jardim fomos para o hóquei em patins, o meu boneco tinha treino.
O treino tinha começado há pouco tempo quando o telefone voltou a tocar.
Era o número da minha mãe, mas não era a minha mãe que estava do outro lado, era a vizinha que me comunicou a chorar que a minha avó tinha falecido e que ela estava com a minha mãe e o médico também (a minha mãe sente-se sempre mal nestas situações, desmaia, esse género de coisas).
Disse ao marido que tinha de partir o mais rápido que conseguisse.
Sábado à noite, agências de viagem fechadas, restava-me a net.
A “semana dourada” da China começava na segunda-feira e os voos estavam cheios.
Voltámos a casa no fim do treino. Informei o boneco e a amorinha que a avó Maria tinha falecido e eu ia a Portugal. O meu boneco fez algumas perguntas sobre a morte; também queria ir a Portugal. Depois convenceu-se que não podia ir e esqueceu-se do assunto. A amorinha choramingava que não queria que a mamã fosse embora. Foi a primeira vez que me separei dela.
O papá procurava viagens na net, sem grande sucesso. Várias horas de simulações. Companhias só deixavam marcar com 24 horas de antecedência. Eu não tinha 24 horas, eu não tinha horas…E fazia a mala sem saber quando partiria.
Quase à meia noite conseguiu um voo na KLM para o dia seguinte de manhã. Voo marcado, era preciso comprar bilhete de jetfoil urgentemente.O papá foi ao terminal de jetfoil comprar: 6 da manhã marcava o bilhete, ditava a partida que mais me custou até hoje. Saí de casa às 5 horas com a amorinha a agarrar-me a mão a chorar.
Eu retirei a mão e saí. Não chorei, mas tinha o coração partido
Foi um sábado que não esquecerei, assim como o dia anterior, quando à noite na varanda da cozinha pensava no que fazer…
E, em pensamento dei-lhe “autorização” para partir, com muito custo pois não queira que partisse mas também não queria que sofresse e há uma semana que estava no hospital a sofrer, muito segundo a minha mãe.
Devia ser perto das 23 h quando, de coração apertado, olhei o céu e murmurei “Vai doer muito, mas se tem de ser, que seja”. Segundo a minha mãe foi na sexta-feira, perto das 16h de Portugal (23h de Macau) que tudo se desenrolou até que partiu no sábado pelas 6 da manhã de Portugal. E eu fico a pensar…
No dia em que fiz a gravação da voz dos meus filhos para ela ouvir e ela já não reagiu tive a certeza que estava a agarrar-se às últimas forças que lhe restavam para se manter entre nós.
Hoje sei que se mantêm entre nós, que eu e o papá sentimos muito a falta dela nas últimas férias em Portugal, que eu me lembro dela todos os dias, que o meu boneco se lembra dela e quis ir ver o sítio onde ela está quando fomos a Portugal e que até a amorinha fala nela de vez em quando, apesar de ser tão pequenina.
E um ano passa tão rápido mas deixa tantas saudades e um vazio enorme que não se consegue preencher nunca…
Imagem retirada da net